Empreendimentos na construção pesada

Por Kleber Luiz Zanchim para o Valor.com.br

O ano começa com muitas incertezas no setor de construção pesada, tanto do lado público quanto privado, seja por questões de ordem macroeconômica, seja por questões institucionais diariamente divulgadas na imprensa. Porém, um sentimento geral parece estar se formando: os projetos importantes definitivamente vão deixar de ser contratados como obras para serem estruturados como empreendimentos. Ou seja, as empresas deixarão de faturar por avanço físico das construções para começar a ser remuneradas pelo desempenho de determinada infraestrutura. Isso exigirá mudança de mentalidade no tocante aos aportes de capital privado (equity), cada vez mais necessários, e à capacitação dos profissionais, especialmente para enxergarem novas formas de obtenção de retorno dos projetos. Ganha relevância, assim, a interface jurídica entre construção leve e pesada, setores irmãos cuja retroalimentação é capaz de gerar o valor necessário para alavancar tais empreendimentos.

Metrô, por exemplo, é tema tradicional da alçada dos especialistas em infraestrutura. Estes se ocupam do direito público aplicável, da regulação, da dinâmica das desapropriações etc. Mas o custo das obras e seus desafios, inclusive de financiamento, são tão grandes que outras receitas, juridicamente chamadas de acessórias, ganham economicamente feição de principais, ao lado das tarifas cobradas dos usuários. É o caso do aproveitamento imobiliário ao longo das linhas. Transformar estações em shoppings, utilizar áreas remanescentes das obras para construção de edifícios, explorar adequadamente novas ferramentas urbanísticas associadas ao uso de potencial construtivo são assuntos de primeira ordem na abordagem moderna desse tipo de infraestrutura. Entre em cena, portanto, o direito imobiliário, não somente no nível de sua teoria geral relacionada à mobilização da propriedade, mas também no aspecto do regramento aplicável a centros de compras, da estruturação de projetos multiuso e de figuras pouco compreendidas como concessão de direito real de uso ou direito de superfície.

É preciso demolir as barreiras, que são menos de técnica e mais de modelo mental, que dividem o universo jurídico da construção

Esse quadro traz certos desconfortos para muitos que, até então, segmentaram seu objeto de estudo e trabalho a uma ou outra área. Não é usual encontrar pessoas que naveguem bem entre os ramos do direito que cobrem a construção leve e a construção pesada. Por isso, diversos projetos ainda não são modelados com todo o valor econômico­social que poderiam originar. No contexto de migração do país da era das obras para a era dos empreendimentos, é preciso demolir as barreiras (que são menos de técnica e mais de modelo mental) que dividem o universo jurídico do setor de construção. Para tanto, o caminho mais claro é unir o estudo dos temas.

O profissional do direito que participar da modelagem de empreendimentos nesse novo conceito precisará estar apto a compreender os pontos de divergência, mas, fundamentalmente, os de convergência entre construção leve e pesada. Terá de saber trabalhar com as diferentes lógicas de taxas de retorno e de payback dos investimentos, com as diferentes estruturas de garantia, com as diferentes formas de financiamento, mas também com os tipos coincidentes de contratos, de licenças, de mecanismos de solução de controvérsias, de formas de contabilização de receitas e despesas etc. Sem dúvida é um cenário perturbador. Existe, entretanto, um componente de alento: os assuntos estão em processo de consolidação. Ou seja, há espaço para um aprendizado colaborativo, que será tão mais intenso quanto mais diferentes e multidisciplinares forem os projetos.

Aspecto relevante a considerar é que esses empreendimentos estruturados abrem espaço para participação de empresas pequenas e médias que, com expertises específicas e flexibilidade para tomar decisões e assumir riscos, podem ganhar papel de destaque na geração e administração de fontes variadas de receitas no âmbito dos projetos. Seus departamentos jurídicos têm, pois, uma oportunidade de salto qualitativo em sua esfera de atuação, podendo fazer a diferença no apoio a empresários não totalmente familiarizados com modelos de negócio mais sofisticados.

Os recentes eventos embaralhadores do setor da construção pesada acabaram por acelerar o processo de modernização das modelagens de projetos no Brasil e de posicionamento da construção leve como elemento importante na viabilização de empreendimentos. O tempo é de fomentar reflexões e debates orientados a estabelecer as conexões jurídicas indispensáveis para o enfrentamento dos desafios que estão por vir.


Kleber Luiz Zanchim é doutor pela Faculdade de Direito da USP e sócio de SABZ Advogados.

Guest User